Logo R7.com
RecordPlus
Pan Lima 2019

Lutador superou deficiência no olho e fez dela impulso para vice mundial

Após mãe pingar amônia por engano, Icaro Miguel perdeu quase toda visão do olho direito; hoje, é um dos melhores do mundo mesmo com 'fraqueza'

Pan Lima 2019|Guilherme Padin, do R7

  • Google News
Com menos de 20% da visão no olho direito, Icaro intensificou seus treinos
Com menos de 20% da visão no olho direito, Icaro intensificou seus treinos

Das limitações, vieram a motivação e o impulso. O que faria muitos outros desistirem de seus sonhos, para o otimista Icaro Miguel, foi o combustível que o fez ir mais longe.

Por conta de um acidente doméstico sofrido durante a infância, ele perdeu praticamente toda a visão do olho direito. Isto, no entanto, não o impediu de seguir carreira no taekwondo, se sagrar vice-campeão mundial e estar entre os três melhores colocados no ranking mundial de sua categoria.


Leia também

“Se há pedras no caminho, podemos usá-las como suporte para subir para o próximo degrau. Se olharmos como dificuldade, não vai dar certo. História triste todo mundo tem. Temos que aprender com as dificuldades”, diz Icaro.

Nascido em Belo Horizonte e criado em Betim, o atleta mineiro teve de encarar logo aos seis anos o primeiro grande obstáculo de sua vida.


Depois passar uma tarde com a família no clube o qual frequentava, Icaro e os irmãos estavam com os olhos irritados pelo contato com o cloro das piscinas. “Minha mãe queria lavar meus olhos com água boricada. Por engano, ela pingou amônia e começou a arder muito. Queimou a córnea, a retina, o nervo... Afetou totalmente a visão do olho direito”, relata o atleta que hoje vive em São Caetano do Sul (SP).

Após o acidente, foram quatro meses de tratamento, que garantiram a recuperação de 90% da visão do olho afetado. Dois anos depois, começou a dar os primeiros passos no taekwondo. Não demorou muito e já havia se tornado faixa preta na modalidade. Aos 15, passou a competir pelo Sesi (Serviço Social da Indústria), em Betim.


A melhora, porém, foi temporária. “Com o passar do tempo, a córnea foi vascularizando. Houve uma piora drástica, em um período de dois meses, de cerca de 50% da visão no olho direito. Hoje, tenho menos de 20% da visão [no olho]”, diz ele.

As consequências foram imediatas: “Perdi a noção de profundidade, tempo de luta e de espaço. Não conseguia me defender, chutava no vazio. Foi difícil”.


Nunca usei isso como uma muleta. Encarava como uma deficiência técnica

(Icaro Miguel)

Assim, em 2015, já vivendo em São Paulo, teve de optar entre um transplante de córnea, que significaria o fim da carreira — “um golpe no rosto ou cabeça prejudicaria para sempre a visão”, explica —, ou continuar lutando mesmo com a deficiência no olho direito. “Escolhi continuar. E não me arrependo”, garante.

Superando a própria fraqueza

Com a decisão tomada, Icaro teve de encontrar uma forma de superar os obstáculos de sua deficiência. “Como eu treinava de manhã e à tarde com toda a equipe, decidi fazer à noite um treino de defesa. Tapava o olho bom (esquerdo) e treinava o chute usando só o direito. Foi a maneira que encontrei para me adaptar, e funcionou”, relata.

Ele acredita que o que o fez alcançar a adaptação necessária “não foram só os treinos, mas também a cabeça. Nunca usei isso como uma muleta. Encarava como uma deficiência técnica. Então, se eu tomava chute do lado direito, tentava melhorar o lado direito. E foi assim: treinei como se fosse uma dificuldade comum, como as de outros atletas”.

Icaro e Raiany disputarão os Jogos Pan-Americanos de Lima
Icaro e Raiany disputarão os Jogos Pan-Americanos de Lima

Além da postura irredutível diante das dificuldades, Icaro teve em Raiany Fidelis, sua namorada e também lutadora de taekwondo, um grande apoio para se superar: “Nos treinos à noite, eu precisava de alguém para me ajudar nos chutes, na defesa, e na maioria das vezes a Raiany era quem me ajudava”.

Assim como Icaro, ela também disputará os Jogos Pan-Americanos de Lima, no Peru. “Se não fosse por ela, eu não conseguiria”, afirma.

Se falta apoio financeiro, o esforço sobra

Por conta de sua deficiência, Icaro Miguel não recebe o apoio financeiro do Paar (Programa Atletas de Alto Rendimento), das Forças Armadas. “Em 2017, quando cheguei da disputa do Mundial, abriu um edital da Marinha e eu passei por todas as fases dele. Eu era o primeiro da lista. Mas, quando chegou na avaliação médica, fui barrado. O médico disse que entendia os bons resultados, mas, antes de contratar um atleta, contratam um militar. Ele falou que eu não estava apto”, conta.

A princípio, a resposta negativa incomodou o jovem lutador: “Fiquei baqueado. É difícil conseguir uma outra forma expressiva de apoio aos atletas. O [apoio] das Forças Armadas é algo mais concreto, um salário que cai ‘certinho’. Com essa verba, eu poderia fazer mais planos e organizar melhor minha carreira”.

Icaro conta que, apesar de mais um obstáculo, preferiu usar o problema como uma motivação extra, como já havia feito com sua deficiência. “No início do ano, determinei para mim que estaria entre os 20 melhores do mundo no ranking mundial para ganhar a Bolsa Pódio. Em dezembro de 2018, eu já estava em 11º. Isso me ajudou muito”, diz.

Veja também: Pan de Lima motiva aumento de procura de brasileiros por pacotes de viagens

O apoio de sua equipe, o São Caetano, nem sempre cobre todas as viagens para competições pelo mundo. Para driblar a falta de verba, Icaro já fez vários ‘bicos’ e até vaquinhas. “Cheguei a trabalhar de garçom e manobrista aos finais de semana, cheguei a fazer doce para vender, enfim... O que eu podia fazer por fora, sem atrapalhar nos meus treinos, eu fazia. Tudo isso para viajar, investir na carreira”, conta ele, que explica: “Como nosso calendário é cheio — tem planejamento individual, da equipe —, nem sempre dá pra bancarem tudo, e algumas [viagens] pagamos do bolso”.

Se há pedras no caminho%2C podemos usá-las para subir ao próximo degrau

(Icaro Miguel)

Grato, o lutador faz questão de dizer que houve melhora no panorama. “Tenho apoio da equipe do São Caetano, hoje tenho do Bolsa Atleta também. E a confederação [brasileira de taekwondo] apoia algumas vezes”, diz Icaro, que, orgulhoso, celebra a recente inauguração do Centro de Treinamento Esportivo Mario Chekin, o maior da América Latina, em São Caetano do Sul: “Foi algo grande para a cidade, o país e o esporte. Nos deixou muito feliz”.

Vice-mundial em Manchester e expectativas para o Pan de Lima

Em Manchester, Icaro levou Brasil a uma final após 14 anos
Em Manchester, Icaro levou Brasil a uma final após 14 anos

Em maio passado, a seleção brasileira de taekwondo protagonizou, em Manchester, na Inglaterra, sua melhor atuação na história do Mundial da modalidade, com duas medalhas de prata e três de bronze.

Para Icaro, levar o Brasil de volta a uma final mundial após 14 anos “foi grandioso, imenso. Trabalhei toda a vida para ser campeão, mas voltar para a casa com a medalha de prata foi gratificante. Quebrar esse tabu me deixou muito feliz”.

Os bons resultados recentes, como a prata em Manchester, refletiram na colocação do atleta mineiro nos rankings da modalidade: no olímpico (categoria até 80 kg), é o 19º colocado; no mundial (categoria até 87 kg), é o 3º.

Agora, o próximo grande desafio será o Pan-Americano de Lima, disputado entre julho e agosto. “Os Jogos serão um evento muito forte. Pela minha atuação no Mundial, tenho condições de trazer um bom resultado. Vamos batalhar para trazer o ouro”, afirma.

Conheça os 10 embaixadores dos Jogos Pan-Americanos de Lima

Últimas


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com oAviso de Privacidade.