Antes de Calderano, Hoyama. Antes de Hoyama, Kano. E antes de todos eles, Biriba
Comentarista relembra bons tempo do tênis de mesa na história brasileira
Blog|Alessandro Lucchetti
Hugo Calderano dá “na cara da bolinha”, como gosta de falar o narrador Maurício Bonato, um dos bons amigos que fiz em meio a esse timaço que a Record montou. Além disso, defende, explora todos os ângulos e faz a alegria de quem curte tênis de mesa.
Talvez essa fera, bicampeão do Pan no individual aos 23 anos, venha a ser o maior nome da história do país na modalidade. Mas nunca haverá alguém como Biriba. Maltrato o teclado do meu obsoleto e empoeirado notebook pensando nas novas gerações que têm toda a facilidade para acompanhar a agilidade do Calderano por meio de vídeos acessados por celular, por notebooks e smarTVs.
Mas não é tão fácil obter informações sobre Ubiracy Rodrigues da Costa, que tem hoje 74 anos. Eu era sócio do Palmeiras quando o encontrei, há cinco anos. Foi fácil marcar a entrevista com o gênio, que tinha destino certo aos sábados: o velho clube alviverde. No novo prédio voltado para a Avenida Matarazzo, fruto da vencedora parceria com a WTorre, o então quase septuagenário ia bater uma bolinha com os amigos.
Ele volta no tempo. Virou notícia pela primeira vez quando tinha 13 anos de idade e um metro e meio de altura, em 1958. Por ocasião das comemorações do cinquentenário da imigração japonesa, vieram ao Brasil, para disputar um torneio amistoso no ginásio do Ibirapuera, dois bicampeões mundiais japoneses: Ichiro Ogimura (1954 e 56) e Toshio Tanaka (55 e 57). Por justificadas razões, as feras da terra do sol nascente enxergavam com seus olhinhos miúdos as partidas como mera exibição de suas habilidades.
Quando se depararam com o adversário mirim, não conseguiram levá-lo muito a sério.
Tanaka venceu o primeiro jogo por 2 a 1. Biriba assimilou o jogo do adversário e lhe deu o troco na segunda partida. Depois, Ogimura também foi derrotado.
Os espetáculos de Biriba alcançaram ampla difusão. As partidas contra os nipônicos ocorreram num ginásio do Ibirapuera lotado, com direito a transmissão pela Record TV e narração de Pedro Luiz. A Rádio 9 de Julho passava a emoção do jogo a seus ouvintes. Imaginar narração de tênis de mesa pelo rádio me intriga.
O adolescente abusado deu dois capotes em um dos campeões mundiais – capote, no jargão do tênis de mesa, é um set vencido pelo dobro de pontos do adversário.
Biriba dividiu capa da edição de novembro da revista dominical do prestigiado jornal "A Gazeta Esportiva", "A Gazeta Ilustrada", com Maria Esther Bueno, que havia conquistado o título de duplas em Wimbledon ao lado de Althea Gibson naquele 1958, assim como um certo Edson Arantes do Nascimento, que vencera um torneio de futebol na Suécia com Garrincha, Didi e Zito.
No Mundial de 61, Biriba bateu, aos 15 anos de idade, o então campeão mundial, o chinês Yung Kuo Tuan, em Pequim, frente a um público de 15 mil pessoas.
Biriba não caiu no ostracismo. Não no Japão. Em 96, numa visita a Tóquio, a convite, constatou isso pessoalmente, ao encontrar uma raquete da marca Butterfly com seu nome, e se emocionou.
Biriba é um talento feito em casa. Começou a jogar ping-pong num clube criado pelo pai dele, no andar de cima de sua padaria, a Beira-Mar, na Vila Maria. Longe dos grandes centros da modalidade, forjou intuitivamente um estilo muito eficaz.
Abreviava a definição dos pontos na terceira bola, para não dar ritmo ao adversário. Tinha recursos e amplitude de golpes – se o adversário resistisse, era capaz de sustentar a troca de bolas. E era rápido, como só um garoto de 50 quilos pode ser. A velocidade já começava no saque. Punha a bola na ponta da mão, jogava na ponta dos pés. Isso é comum hoje, mas não era no final da década de 50.
Os movimentos de Biriba eram esquematizados no papel por desenhistas chineses – era a forma de estudá-lo, numa época em que as câmeras de filmagem eram enormes. O maior país asiático, que na época pretendia deixar o Japão para trás e se firmar como a maior potência da modalidade, tentava dissecar a técnica de qualquer bom jogador que despontasse no cenário.
Mas toda essa história teve um final abrupto. Biriba pendurou a raquete aos 21 anos, sem conquistar o Mundial. Ele não via uma forma de viver do tênis de mesa.
Popular no exterior, Biriba foi convidado a excursionar com o Harlem Globetrotters, para jogar com o britânico Richard Bergmann, quatro vezes campeão mundial, nos intervalos do basquete. Recebia 30 dólares por semana. Ao voltar ao Brasil, a Confederação Brasileira de Desportos quis suspendê-lo, alegando que havia se profissionalizado, o que não era permitido na época.
Biriba se afastou das mesas, prestou concursos e se tornou servidor público, na Secretaria da Fazenda. Atravessou anos de depressão, fez terapia por 33 anos. Passou a jogar recreativamente.
Em 89, carregando 20 quilos a mais, voltou a competir e foi campeão brasileiro no Rio. Mostrou doses de seu talento para uma outra geração. Fiz questão de falar de Biriba quando eu e Rafael Spinelli entramos no ar para fazer o resumo do dia 7 de agosto do Brasil no Pan. Usei Calderano como gancho. Não sei se os telespectadores da Record News entenderam porque falei dele. Aqui está uma tentativa de explicar.