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Às vésperas do último dia do pan, saudades

Comentarista relembra entrevista exclusiva com Oscar Schmidt

Blog|Alessandro Lucchetti

Em sua carreira, Oscar jogou 11 anos na Itália
Em sua carreira, Oscar jogou 11 anos na Itália

O Pan está acabando e entrará num escaninho da memória chamado saudades. Abro sempre que posso as reminiscências desse departamento.

Se falamos de Pan, não demora muito tempo para o assunto passar a ser a conquista do ouro no Pan de Indianápolis, em 87, de Oscar Schmidt, de Marcel, de Guerrinha, de Gerson, Israel, Pipoca...

Comecei a me interessar mais por esporte alguns anos antes de 87. Despertei para esse mundo no final dos anos 70, início dos 80. Como definir direito? Era um tempinho até que “mais ou menos” para quem começava a curtir, em especial, o basquete. Em 79, acompanhei, como tantos brasileiros, pelas transmissões da TV Cultura, a conquista do Mundial Interclubes (Copa Intercontinental William Jones) pelo Sírio de Oscar, Marcel, Marquinhos, Dodi e Saiani sobre o Bosna, de Sarajevo. No ano seguinte, o Brasil, vestindo as camisetas regatas listradas de verde e amarelo, uniforme que nunca deveria ter sido modificado, fez bonito na Olimpíada de Moscou, alcançando o quinto lugar. Em particular, recordo-me de acompanhar pelo rádio a transmissão de um jogo contra a Itália, na fase final. O Brasil derrotou os peninsulares, liderados por Dino Meneghin, por 90 a 77. Um baita resultado, sobretudo se levarmos em conta que a Azzurra foi vice-campeã olímpica na capital soviética.

Ninguém, naquele time, era mais capaz de encher os olhos de uma criança do que Oscar. O homem fazia cestas a rodo, vibrava desvairadamente depois de pontuar, meio que torcia pelo Brasil dentro da quadra, além de jogar. A luta do Marquinhos nos garrafões também me impressionava.


Decorridos 23 anos, fui fazer uma matéria para o hoje falecido Diário de S. Paulo sobre a carreira do Mão Santa. O saudoso Nicolau Radamés Creti me pautou. Sabendo que Oscar mantinha em sua casa, em Alphaville, um museu particular, com um acervo muito bem cuidado, repleto de taças, medalhas, camisas antigas, recortes de jornais e tudo o mais. O experiente homem de imprensa me sugeriu que ligasse para o assessor do ala, que havia acabado de dar um ponto final na carreira. A proposta era visitar aquele templo privado e oferecer ao leitor uma viagem pela história do grande ídolo. Samy Vaisman, o assessor, fez a assistência, e coube a mim e ao fotógrafo Lawrence Bodnar a missão de fazer a cesta, numa jogada concebida pelo playmaker Nicolau.

Em meio a tantas taças e medalhas, me chamou a atenção, exposto numa mesa de centro, um livro da série “I libri dei giganti”, com o título Oscar, assinado pelo jornalista Michele de Simone, de Caserta. O brasileiro é o tema do 5º tomo da coleção, editado pela Forte Editore, de Milão, em 1986. Confira a estirpe dos outros cinco: Dino Meneghin, Pierluigi Marzorati (ambos prata em Moscou-80), Mike D’Antoni (que depois tornar-se-ia técnico da NBA), Bob Morse e Kareem Abdul Jabbar.


Fiquei com vontade de pedir para ele me emprestar, mas achei que pareceria folgado. Além disso, qual era a chance de ele concordar em passar o livro para as minhas mãos? Para mim seria importante para conhecer um pouco mais sobre o momento mais obscuro da carreira do craque, os anos na Itália, sobre os quais temos poucas informações no Brasil.

Ao todo, foram 11 anos de Bota, sendo oito em Caserta e três em Pavia. Antes de voltar ao Brasil, para atuar no Corinthians/Amway, jogou duas temporadas no Valladolid, da Espanha. Os anos de Corinthians conheci bem: estava no ginásio do Parque São Jorge, que hoje leva o nome de Wlamir Marques, quando ganhamos de uma excrescência, o Corinthians verde de Santa Cruz do Sul, na final do Campeonato Nacional de 96. Oscar, ensandecido na comemoração, arrancou uma bandeira do Corinthians de um suporte de madeira e festejou de um jeito muito sanguíneo o título, levando a corintianada ao delírio. Vi partidas tanto na sede do clube como em Jundiaí, no ginásio Bolão, que foi adotado depois como casa.


Anos depois, ao sair de uma sessão de cinema no Belas Artes, entrei naquela passagem subterrânea que fica abaixo da Consolação para dar uma fuçada nos livros usados lá vendidos. E dei de cara com o volume 5 de “I Libri dei Giganti”, que adquiri por inacreditáveis R$ 15, uma pechincha para uma peça muito querida da minha biblioteca esportiva. Como estudei italiano durante dois anos, no tempo em que trabalhava no Banco do Brasil, pude ler o que Simone escreveu, recorrendo de quando em vez a um bom dicionário. Tive que interromper os estudos da língua do meu pai quando fui trabalhar no Lance, em 97, porque o salário lá era de R$ 500.

Reli tempos atrás o livro, para relembrar o que foi aquela proposta do New Jersey Nets, em 87. O tema voltou com a participação do Mão Santa no final de semana do Jogo das Estrelas, na partida das celebridades de 2017. Em entrevistas, ele salientou que abriu mão de ir para a NBA porque não era permitida, nos Jogos Olímpicos, a participação de profissionais. Dessa forma, o Mão Santa perderia a oportunidade de participar dos Jogos de Seul, aqueles em que o Brasil chegou bem perto de uma medalha, alcançando novamente o quinto posto. Essa regra foi alterada, como se sabe e, a partir de 92, os profissionais da NBA tiveram permissão para barbarizar também no torneio olímpico.

Na entrevista que me concedeu em Alphaville, Oscar, draftado pela franquia então hospedada em New Jersey na 131ª posição, ponderou que a oferta financeira dos Nets não cobriria o sacrifício de abrir mão da seleção: US$ 100 mil anuais. Simone cita aspas do brasileiro, em seu livro, à página 30:

“(…) se mi avessero offerto la luna avrei accettato di rimanere ai Nets(…)”.

Tradução caseira: “(…) se tivessem me oferecido a lua teria aceitado permanecer nos Nets (…)”.

Explique-se que ele fala em “permanecer” porque havia feito um camp nos Estados Unidos.

Além de nos ajudar a entender o que campanhas publicitárias de cerveja nos confundem, “Il libro…” , escrito ao cabo dos quatro primeiros anos de Oscar em Caserta, nos trazem o sabor daquela época na região da Campania. Não muito longe dali um certo Diego Armando Maradona reforçava o orgulho napolitano.

Oscar trocou o Sírio por um clube que lutava para subir da A2. A imprensa local não entendeu bem, a princípio, os motivos que teriam levado o presidente Maggiò a optar por um estrangeiro que não era um norte-americano. Para piorar, o ginásio tinha menos de 3,5 mil assentos, e teve que ser reformado por força de uma superveniente legislação federal. Jogando como sem teto, o clube apanhou, perdendo seis dos nove primeiros jogos na campanha da segundona com o brasileiro. A situação ficou ruim para Oscar, que correu o risco de rescisão contratual. Isso não ocorreu porque Bosha, o treinador que comandara o Bosna, sabia o potencial do ala que havia acabado com seu time no Ibirapuera, em 79.

Concluída a reforma, o ginásio, rebatizado “PalaMaggiò”, foi fundamental para o time embalar e subir. Para tirar o Indesit Caserta da difícil situação inicial, Oscar ignorou uma das ordens do autoritário comandante que atravessara o Adriático. O severo eslavo não queria ver seus atletas treinando no dia reservado ao descanso, as segundas-feiras.

O ala potiguar peitou o iugoslavo, recebeu uma bizarra multa por excesso de treino, melhorou seu já excelente arremesso e foi determinante para a reação da equipe alvinegra.

O humilde clube meridional se tranformou: em oito anos com “Il bomber” brasiliano, conquistou uma Copa Itália, dois vices da mesma competição, dois vices de copas europeias e dois vice-campeonatos italianos. As façanhas de Oscar ajudaram a reforçar a autoestima “terroncina”, a forma depreciativa como os do norte da Itália se referem aos meridionais: algo como “camponeses, simplórios”.

Em Caserta, Oscar, que já foi hospitalizado, no Brasil, após uma overdose de bombons Sonho de Valsa, se “casertanizzou”, como escreve Simone, e se tornou um grande comedor de mozzarella di bufala.

Il bomber, la mitraglia umana, il martello divino, il cannoniere. Na Itália, o Mão Santa fez belos bombardeios. Boa parte do mundo ficou privada de saber mais sobre Oscar. A decisão de não ir para os Nets o afastou de um cenário maior, global. Durante os anos de Caserta, ele recusou também uma proposta do Real Madrid. Se aceitasse, receberia passes de um certo Drazen Petrovic. Mas o Caserta cobriu a oferta. Prestigiado, e em casa no Sul da Bota, Oscar preferiu continuar a comer mozzarella di bufala, ouvindo Simon and Garfunkel na Campania. Pena para o resto do mundo, mas não para os apaixonados torcedores do Indesit.

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