Veja a conversa com a atriz portuguesa, Ana Brito e Cunha, no ‘Palco’
Palco Record|Do R7
No mais recente episódio do programa ‘Palco’, a apresentadora Rita Rosado conversou com a carismática atriz portuguesa Ana Brito e Cunha. Ao longo da entrevista, Ana abriu o coração e revisitou momentos marcantes de sua carreira, como o icônico papel em ‘Jardim da Celeste’, sem esquecer os desafios pessoais e profissionais que foi superando ao longo dos anos.
Uma conversa envolvente em que fala de paixão, maturidade, arte e das escolhas que moldam a vida — no palco e fora dele.
[Entrevista originalmente exibida no programa ‘Palco’, da RECORD EUROPA]
Rita Rosado: Ana, vamos aqui percorrer um bocadinho nesta sua longa carreira como atriz. Muita coisa para contar, não é? São muitas personagens, muitos textos, tanto no teatro, quanto na televisão e no cinema. O que é que perdura daquela atriz que já começou há tanto tempo?
Ana Brito e Cunha: A essência. Eu acho que a essência é a mesma. Com mais alguma maturidade, com mais alguma tranquilidade, com menos ansiedade e mais vontade de ser melhor. Mais consciente, muito mais consciente da seriedade que é assumir esta profissão.
RR: Porque de fato é.
ABC: É mesmo, é mesmo. Não nos podemos levar a sério, mas temos que levar a profissão a sério. Portanto, há aqui um bocadinho uma questão contraditória, mas que para mim se tem tornado cada vez mais apaixonante ao longo dos anos.
RR: E quando é que descobre esta paixão por esta arte?
ABC: Eu sempre brinquei com a imaginação, com o criar histórias. Nós éramos muitos primos, muitas crianças, proibidas de entrar em casa durante o dia para não sujar. [risos] E vivíamos no campo, tínhamos muito para onde brincar e explorar. Depois fui me apaixonando, sempre tendo um fascínio por este mundo. E depois aos 18 anos tive a oportunidade de dar um passo, e o passo aconteceu um bocadinho inesperadamente na minha vida e percebi que era por aqui.
Lembro-me que quando era miúda eu queria ser designer de moda, eu queria ser estilista, eu queria ser filósofa, queria ser psicóloga. Não tinha nada a ver umas coisas com outras. Mas depois é engraçado, porque eu acho que tudo coabita muito bem na profissão que me escolheu, porque eu acho que foi a profissão que me escolheu mais do que fui eu quem a escolhi.
RR: E como atriz pode ser qualquer uma dessas coisas que gostaria, não é?
ABC: Hoje em dia eu criei um projeto paralelo à minha profissão que é a ‘Bambolina Teatro’, onde eu crio. É o meu espaço criativo. Eu acho que aí é onde estou diretamente ligada com o design de moda. A psicologia e a filosofia acho que têm a ver com o entendimento das personagens e das histórias, portanto eu acho que acaba por estar tudo muito ligado, porque sem dúvida nenhuma foi a profissão que me veio buscar.
RR: A Ana começou no teatro.
ABC: Sim, fazia teatro na escola, fazia teatro amador, sim.
RR: E o que é que tinha de especial? Que encanto é que tinha e que tem hoje ainda, o teatro?
ABC: Eu acho que é o brincar. Brincar ao que não sou, brincar ao que quero ser, fingir que não estou aqui, fingir que estou ali. Eu acho que os ingleses têm a palavra muito bem escolhida, para a arte em si, que é o play, o jogar. Por isso, ao longo destes anos e hoje, realizo que é mais uma forma de estar na vida e que me ajuda muito a saber ser um bom ser humano. Se eu quiser, eu posso tirar isso da arte.
RR: E para este papel de atriz também há um papel de autoconhecimento que necessita de ser feito?
ABC: Sem dúvida, sem dúvida. Uma das minhas grandes valências hoje em dia e que me está a trazer esta maturidade, tem a ver com os 15 anos de terapia que eu fiz e que a arte me ajudou. Eu acabei a terapia por causa da arte. Estreei-me na televisão em 1993, mas em teatro profissional, estreei-me no ano 2000 com a Fernanda Borsatti numa produção do Teatro Nacional Dona Maria II. E a dada altura, comecei a perceber que a minha personagem tinha muitas similiaridades comigo. Histórias que me tinham acontecido, que ela contava que lhe tinham acontecido também. A melhor amiga que rouba o namorado, coisas muito da adolescência. Começou a acontecer qualquer coisa em mim, fisicamente eu deixei de poder fumar, eu tinha medo de contar à minha mãe o que é que eu tinha, até que vou ao hospital. Fomos diretos ao médico e ele disse: “você não tem nada, você tem stress na cabeça.” O teatro tem isto, criamos outras vidas e outras personagens. Quando se diz, “não é para meninos, é perigoso”. Porquê? Porque muitas vezes estamos a trabalhar emoções que nós próprios já experimentamos. Umas delas estão resolvidas, outras não, e isso pode nos trazer muita confusão. Foi assim que eu acabei na psicóloga. O teatro traz isso, o jogo, passa por nos olharmos nos olhos uns dos outros. Ouvir, ouvir é fundamental, saber ouvir. E por norma, quando começamos a trabalhar como atores, não sabemos ouvir, só queremos fazer e dizer. E chega o momento que aprendemos que o ouvir é muito mais interessante do que o fazer. E é aí que o ator ganha força, é quando ouve e não quando faz.
RR: Ana, vamos aqui falar da famosa Celeste, que eu acho que é uma personagem que é impossível não falarmos.
ABC: Ah, claro! A minha querida Celeste, do ‘Jardim da Celeste’. É muito querido porque, de fato, ela marcou bastante, eu fico muito sensibilizada com isso. Eu tive muita sorte na realidade, a Celeste já estava escolhida e houve um contratempo e teve que ser substituída. E é aqui que eu entro. Mas é curioso, porque os meus trabalhos mais significativos foram substituições. E a Celeste foi um privilégio, programa didático, ‘primo’, digamos, da ‘Rua Sésamo’, que é a base original e o bom, estavam completamente ligados, é um fato, mas com um produto totalmente português.
RR: Vamos falar então deste projeto, ‘As Escolhas’, que projeto é este?
ABC: Bem, este projeto é uma grande comédia francesa – que são as melhores – escrita pelo Sébastien Zopardi e pelo Sacha Danino. Eles queriam fazer qualquer coisa com as escolhas do público e perceberam, a meio do processo, que o cerne e o interesse eram as escolhas. E nós, nas nossas vidas, deparamo-nos com escolhas. “O que é que eu vou escolher hoje?” E é muito difícil, porque isso vai definir a nossa vida, vai trazer-nos consequências. E temos que ser muito conscientes com as escolhas que fazemos, sejam elas mais leves ou sejam elas mais difíceis. E eu acho que este espetáculo, o fato de ter a questão das escolhas, de ser o público a escolher, não é o fim. O público escolhe o desígnio da história, desde o primeiro ato. Faz com que o público tenha na mão o espetáculo, e isto é uma novidade e é muito bom. Faz com que o público se liberte das suas escolhas pessoais e possa ver no palco as malandrices que gostava e não tem coragem de fazer com a sua própria vida, e que vê ali acontecer. Mas, acima de tudo, sendo um grande ‘comercialão’, como eu gosto de dizer, eu acho que é uma peça que faz pensar. E a forma como os autores conseguiram finalizar o espetáculo e entregar o espetáculo ao público, eu acho que é muito inteligente, porque dá a oportunidade para as pessoas perceberem que as nossas escolhas são mesmo importantes. E que as nossas escolhas podem mexer com a vida dos que estão ao nosso lado, podem ou aprimorar ou destruir. Não quer dizer que nas minhas escolhas eu tenho que pensar primeiro nos outros do que em mim. Eu tenho é que ser responsável, consciente, daquilo que eu vou ter de retorno à conta das minhas escolhas.
RR: Foi uma boa escolha.
ABC: Foi uma boa escolha! [risos]
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